sábado, 29 de agosto de 2009

o blog da procrastinação

Meu blog é quero-quero. Quero malhar, quero nadar, puxar ferro. Mas chove lá fora. Quero surfar. Pela linguagem, pelo mar. Sou Caeiro tropical, pelas veredas do corpo-sertão, nem sempre tolero ler, jogo livros ao mar. Não tolero ler, foi o que me disse outra amiga, pedindo-me anonimato, pois é professora de letras e mãe de crianças tidas como neuróticas, pois se divertem lendo – gostam mais de livros que de games. Dizia-me ela, sem nome porque sem nick: só tolero o tempo-espaço do jornal, dos sites, da poesia moderna, tudo assim, picadinho. Nietzsche já tinha observado: o leitor moderno é desse jeito, dispersivo, vai de déu em déu, pica-flor, de trecho em trecho, de frase em frase. (Poetar, frasear.)
Ler também pode ser um recurso de procrastinação. O melhor do escrever é procrastinar? O melhor do sexo é a preliminar? Furor do amor, furor de ler. Essa semana consegui. Foi uma decisão furiosa. Joguei ao mar o Mal de Arquivo, do Derrida, e meti-me entre as páginas do novo livro de Raúl Antelo, que devoro lentamente, como uma traça cheia de tesão, sem dentes. O livro me exige, vou lendo e anotando, lendo e anotando. Para anotar, uso um lápis, que preciso apontar toda hora. Ler um livro exigente, de cabo a rabo, ao longo de vários dias, é diversão artesanal, reminiscência de outro tempo no labor do corpo, rumoreja.
A pesquisa é infinita, o livro é finito. Escrever aqui é tecer, a partir de fios puxados da rede erudita existente sobre modernismo estético, o incessante sussurro coletivo da comunidade de especialistas, rede sussurro tecido trans-temporal, urdido no espaço intelectual – o arquivo universal. Escrever é tecer? Derridá? Para mim, lápis é agulha, frase é linha, a tela é o prêt-à-porter, a pronta entrega, delivery, délivrance, escrever é parir? Ato doloroso. A procrastinação é a dor do parto, é curtir dentro da dor. Mais penoso que escrever um livro aos 50, sofrer nesse paraíso, é escrever uma tese de doutorado aos 35. Foi quando descobri o ato de ler como recurso de procrastinação, forma de adiar pela simulação a intensidade exigente do ato de escrever. Tempo de máxima concentração, furor solitário, briga titânica com a dispersão. Torre de marfim, bunker defeso, underdog. O importante é começar. A partir daí, jorra permanente. Escrever suga o tempo. O jorro é começo e fim do trabalho no tempo, da negociação com o tempo.
por Italo Moriconi